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quinta-feira, 7 de maio de 2009

A BELA TEME A FERA, MAS A ABRAÇA COMO IRMÃ

Esta história é baseada em fatos reais. Ana S. é uma garota de
boa família que entrou para um curso de fotografia, aprendeu
a técnica e passou a fotografar a rua. Descobriu, no centro
da cidade, menores abandonados, trombadinhas, loucos,
bêbados e desocupados. Passou a fotografá-los sem razão aparente;
queria atrair para a lente, depois ampliar, um mundo
que não conhecia, de que fora privada.
Numa manhã, na Liberdade, viu um mendigo de cócoras penteando
os cabelos, ou comendo, ou cagando; ela não sabe ao
certo. Mirou a lente e, seguindo os conselhos do seu professor
(“Não pensar”), não pensou e tirou a foto. Ana S. viu ele parar,
se levantar e vir em sua direção. Segurou firme a bolsa e a
máquina. Diabo. Por que segurou firme a bolsa? Ele abriu um
sorriso e disse:
— Já que você tirou uma foto minha, o que, aliás, agradeço,
eu queria algo em troca.
Ana S. voltou a segurar firme a bolsa.
— Como seria bom se você fechasse os olhos e me visse de
outra maneira. Sei que assusto as pessoas; sei, porque todos se
afastam de mim. Sei que prefeririam que eu não existisse. Desviam
do caminho quando me vêem. Mal falam comigo. Mas
você parou, me olhou, e até tirou uma foto. Obrigado. Isso
me fez muito bem. Espero que esta foto lhe faça bem, lhe ensine
coisas...
Ana S. relaxou.
— Espero que esta foto lhe mostre que as imagens não falam
por si. Tudo o que eu te peço é que pense no que pode estar
por trás desta foto. E para mim, a lembrança de um abraço
me faria bem. Eis o meu pedido. Você tem uma foto minha.
Eu queria um abraço. Ficaríamos quites.
Ana S. deu dois passos pra trás. Por que abraçá-la? Ele fede,
está sujo, é repugnante. Por que não abraçá-la? Não abraçá-la
prova a garota preconceituosa que sou. Mas ali, no meio da
rua? Ele abriu um largo sorriso, abriu os braços e esperou com
gratidão nos olhos. Ana S. avançou e abriu os braços. Abraçaram-
se. Abraçaram-se por muito tempo, de corpo inteiro,
como dois irmãos, dois aliados, num corpo só. Até ele sussurrar
no ouvido dela:
— Gostooosa!


(do livro As Fêmeas de Marcelo Rubens Paiva)

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